‘O Roubo da Taça’: entre a comédia e o documentário

Em 1983, o roubo da taça Jules Rimet da sede da CBF comoveu e moveu a população em busca do prêmio dado ao Brasil na Copa de 1970, quando conquistou o tricampeonato mundial de futebol. O furor foi tanto que uniu líderes do regime militar e sua oposição militante, afinal, sabe-se bem que o esporte ainda possui o poder de abafar questões políticas. Nas lacunas dos fatos conhecidos, Caíto Ortiz desenvolve o longa O Roubo da Taça, uma coprodução com a Netflix, em cartaz nos cinemas brasileiros.
Nos primeiros minutos do filme, a fictícia Dolores, interpretada por Taís Araújo, pincela a grave situação política e econômica do Brasil nos anos 1980, em meio a inflação e censura. A moça vive com Peralta (Paulo Tiefenthaler), um agente de seguros ao melhor estilo malandro, que deve 1 milhão de cruzeiros ao agiota Bispo (Hamilton Vaz Pereira), um Don Corleone carioca. Para quitar tal dívida, o homem tem a ideia de roubar a réplica em ouro da Taça Jules Rimet, exposta na sede da CBF, para derreter e fazer algum dinheiro.
Junto a Borracha, Peralta consegue furtar com facilidade a peça. No entanto, o noticiário do dia seguinte informa que a taça, na verdade, é a original, que, por algum motivo, não estava no cofre. Ambos percorrem alucinados os ourives do Rio de Janeiro em busca de um comprador para a Jules Rimet, antes que sejam descobertos. Curiosamente, ela acaba nas mãos de um argentino, o único disposto a fechar negócio.
Apesar dos muitos plot twists do enredo, Ortiz afirma que limou na tela diversas reviravoltas do caso na vida real. “Quando roubaram a taça, os culpados foram presos por uma parte da polícia que os extorquiu, pegou o dinheiro da venda da peça, o carro que um tinha comprado, e os soltou de novo. Essa passagem parecia mentira demais e achamos melhor deixar de fora”, diz ele a VEJA.
O Roubo da Taça parte da importância atribuída ao crime pelo povo brasileiro, mas as personagens não parecem lá tão preocupadas. A exceção de Albino, ourives interpretado por Mr. Catra, a indignação de um povo fanático por futebol frente ao sumiço da Jules Rimet passa despercebida. O filme se preocupa mais em retratar o Rio de Janeiro de 1983 e suas personagens caricatas – por sinal, muito bem construídas.
A produção é tecnicamente impecável, sua boa fotografia e tomadas sólidas renderam ao longa o Kikito de Direção de Arte no Festival de Cinema de Gramado. No entanto, faltou a O Roubo da Taça o dinamismo da comédia – enfaticamente apontada pelo diretor como o gênero do filme.
A personagem de Taís Araújo, Dolores, é talvez a mais curiosa de todo o elenco, mesmo não tendo existido na vida real. Ao mesmo tempo em que atua como voz da razão e narradora do filme, ela também representa a sensualidade do Rio de Janeiro dos anos 1980. “Nós estávamos retratando uma época, quando a hiper-sexualização da mulher era realmente um absurdo”, diz a atriz. Apesar disso, ela afirma não ter se sentido objetificada em nenhum momento. “Mesmo naquela cena com o personagem do Geraldinho, eu não me senti mal. Era o objetivo. Queríamos algo asqueroso”, diz ela, lembrando do momento em que o personagem lambe sua lágrima.
O que de fato aconteceu a Taça Jules Rimet permanece um mistério, mas a produção de Ortiz promete dar um fim bem humorado à peça. Entre piadinhas sobre futebol e críticas à sociedade, aparentemente despretensiosas, O Roubo da Taça cumpre, ao menos, sua promessa inicial.
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